a minha alma partiu-se como um vaso vazio
cahiu pela escada excessivamente abaixo
cahiu das mãos da creada descuidada
cahiu, fêz-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso
asneira? impossivel? sei lá!
tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu
[sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir]
fiz barulho na queda como um vaso que se partia
os deuses que ha debruçam-se do parapeito da escada
e fitam os cacos que a creada d'elles fêz de mim
não se zangam com ella
são tolerantes com ella
o que eu era um vaso vazio?
[olham os cacos absurdamente conscientes,
mas conscientes de si-mesmos, não conscientes d'elles]
olham e sorriem
sorriem tolerantes à creada involuntária
alastra a grande escadaria atapetada de estrêllas
um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros
a minha obra? a minha alma principal? a minha vida?
um caco.
e os deuses olham-o especialmente, pois não sabem por que ficou alli
apontamento, margarida pinto [a partir do poema de álvaro de campos]
01 janeiro 2006
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