25 janeiro 2006

plágio

não sei se vocês lêem as coisas compridas que ponho aqui, mas por falta de originalidade da vida da própria, deixo-vos aqui o texto de hoje do... murcon.

Ultimato

- Senta-te, precisamos falar.
(Pigarreou.)
- Olha, a conversa chega com dez anos de atraso, mas foi o que se pôde arranjar - atrapalhado como estou aos vinte e cinco, nem quero imaginar como seria aos quinze, dava-me um treco! Bom. Lembras-te de me pedir no liceu para entregar um bilhete ao Mário? Quando te vi atravessar o recreio na minha direcção cheguei a acreditar num milagre, ias dizer que não tinhas pachorra para tanta timidez e declarar oficial o namoro.
(Vermelho como um tomate.)
- Por favor, não interrompas! Claro que estava apaixonado por ti. E nunca me passaria pela cabeça que o não notasses, sentia-me tão incompetente a escondê-lo! Mas não, sua excelência ia responder ao Mário. Que sabia de tudo pela minha boca, o sacana... Mas não se descaiu, jurou apoio moral e correu a antecipar-se na declaração. Traste, ainda bem que com a mudança de governo perdeu o tacho. Adiante. Far-me-ás a justiça de reconhecer que lhe entreguei a maldita resposta sem um ai, não foi difícil perceber que aceitaras a ida ao cinema, ele babou-se de gozo. Antes de me pedir, com os olhos em alvo, que a tua escolha não comprometesse a nossa amizade. Mas qual escolha, porra? Se eu não me chegara à frente!
(Respirou fundo.)
- Depois fui chorar para o colo da minha mãe. Palavra! Ri-te, anda, diz que sou o menino da mamã. Com ela podia fazê-lo, ao velho só gostava de aparecer triunfante, de rabo entre as pernas nem morto. Ela deu largas à costela feminista, disse que felizmente passara o tempo de as mulheres ficarem caladas e serem escolhidas como jumentos ou camelos, conforme a sociedade. Mas a seguir previu que o mais provável era o namorico não dar em nada, se tu fosses inteligente descobririas rapidamente que ele era bonitinho mas de neurónios anémicos. Respondi-lhe que não me importava de trocar o meu QI pelos olhos azuis do Mário e ela afiançou que havia medidas menos radicais a tomar – deveria passar a ser o teu melhor amigo e não dele (com a osga que lhe tinha, a segunda parte não me pareceu difícil). Sugeriu que aproveitasse o estatuto de padrinho do namoro conferido pelo bilhete e assumisse o de confidente. Quando a paixoneta desse para o torto, compreenderias a importância do meu ombro. E nesse momento eu esboçaria um recuo estratégico, abrindo espaço à tua saudade, que acarretaria uma nova compreensão do que sentias e por quem. Lembro-me de ficar estarrecido e lhe dizer que era maquiavélica. Respondeu que às vezes é preciso dar um empurrãozinho ao destino. Acertou em quase tudo. Quase... Mal saí de cena, fizeste um escândalo por te deixar sozinha quando mais precisavas de apoio. Não para chorares o cínico do Mário!; para te aconselhar sobre o candidato seguinte. Para variar, não era eu... Devia ter-te mandado à merda. Exactamente – à merda! Mas cortei-me, quis permanecer a teu lado, ao menos como amigo. Ela jurou que se tratava de grossas asneira e fez bingo outra vez.
(Com um suspiro.)
- E assim fui teu confessor ao longo dos anos, vendo-te cortar cabeças e lamber nódoas negras. E eu ali, criado para todo o serviço. Sim, criado; a tua desfaçatez!... De vez em quando acordavas desse egoísmo cego e perguntavas por que não tinha namorada, prometias apresentar-me uma fulana qualquer e logo mudavas de opinião – “não merece o meu melhor amigo” Numa noite de copos chegaste ao desplante de perguntar se era gay. Toda abespinhada, “não confias em mim?”. Houve alturas em que me perguntei se não teria sido mais feliz... Já te disse que não interrompesses!, falaste dez anos seguidos, agora ouves.
(Martelando as palavras.)
- Desta vez foste longe demais. Ou a minha paciência esgotou-se. Aturei a enésima paixão, o noivado, ser escolhido para padrinho, dar opinião sobre electrodomésticos e tintas de parede. Resisti à base de álcool e pensamentos cristãos do género “o importante é que ela esteja bem”, fiz uma lavagem ao meu próprio cérebro. E tu mudas de ideias uma semana antes do casamento por descobrires não estar preparada para assumir um compromisso!? Muito menos com um tipo “amoroso”, mas que não te faz ferver o sangue nas veias… Chega!, a ferver estou eu. Ficas avisada - não vais chorar no meu ombro, vais chorar com saudades dele. Porque tenciono desaparecer da circulação e procurar alguém que me deseje para amante e não capacho. Adeus.
(Olhar de esguelha.)
- A não ser que reconheças imediatamente ser eu o homem da tua vida e não o tanso a quem falas dos homens na tua vida.
(Silêncio.)
Desarvorou porta fora para lhe fazer o ultimato. O ensaio ao espelho não correra nada mal!

- júlio machado vaz

3 comentários:

bluesboy disse...

Gostei :)

Se houvesse menos entrega de "melhores amigos" e mais vida própria dos mesmos, seriam estupidamente mais felizes. Não é por "esforço, dedicação e devoção" que se alcança a que, para eles é a "glória" (mesmo que ela se chame Cátia Vanessa). Ou vêm ou não vêm.

Bogas disse...

"Não para chorares o cínico do Mário!; para te aconselhar sobre o candidato seguinte. Para variar, não era eu... Devia ter-te mandado à merda. Exactamente – à merda! Mas cortei-me, quis permanecer a teu lado, ao menos como amigo."

Er... story of my life. Mas começo a ter prática em mandar à merda (which is good).

Anónimo disse...

Eu apenas olhei para isto because i care :P take kare dear ****