Diário da Vanessa
No amor, as mulheres, antigamente, eram mais simples. Dizê-lo é um risco, mas vem aí o tempero: a maioria era menos feliz. A simplicidade tinha, contudo, vantagens: antes de o "psicologismo" ter invadido praticamente todos os campos de acção, públicos e privados, as pessoas acreditavam que as coisas são como são. Conformavam-se. Faziam croché, piqueniques, tratavam das coisas. Ou então, se era para morrer, morriam (mas era menos de amor que de tuberculose).
Hoje, as mulheres nem morrem nem saem de cima. Acreditam, com uma fé bebida na mutação rápida das relações afectivas, que as coisas mudam. [O caso mais patético e, digamos, mitológico é, como toda a gente sabe menos as implicadas, aquela crença religiosa em que 'ele' se vai separar da mulher]. Talvez as mulheres tenham perdido a sabedoria de identificar o amor, ou a sua possibilidade. Admitem que os mais esconsos sinais podem ter "várias leituras" (a propagação da semiologia também contribuiu para a doença).
Arrisco esta generalização porque conheço a Vanessa, que um dia achou promissora uma criatura que passou um jantar inteiro a suspirar (era de enfado, mas ela achou que havia naquilo uma emoção qualquer), outra que adormeceu e ressonou no cinema e uma terceira que acordou a meio da noite a gritar "amo-te, Maria".
Mas, se calhar, não arriscava a generalização se não tivesse chegado às livrarias um livro dirigido ao público feminino, que quer elucidar as mulheres nos mistérios da alma masculina, ensinando-as que quando um tipo não telefona é porque não está para aí virado. A coisa, que recentemente foi traduzida para português, chama-se Ele não está assim tão interessado e foi um sucesso nos Estados Unidos. Ali pode aprender-se que "um homem sabe usar o telefone" e que os homens quando estão interessados numa mulher telefonam.
Embora a política tenha alguma coisa em comum com o amor (foi no território irracional dos "afectos" que o populismo aprendeu tudo o que tinha a saber), foi mais ou menos interiorizado o saber do dr. Salazar segundo o qual "em política o que parece é". No amor, a resistência ao que parece é imensa. Não fora o mercado promissor, ninguém escrevia livros a explicar que uma tampa é uma tampa é uma tampa é uma tampa.
-- Ana Sá Lopes no Diário de Notícias [roubado ao murcon]
05 maio 2006
denial is a river in egypt
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1 comentário:
Bem, como senhor que escreveu isto era escritor do Sex and the city e como aquilo acabou, ele tá desempregado. Então bora lá pegar numa frase que ele colocou no episódio que escreveu e fazer um livro, com a obrigatória mulher a fazer de co-autora (e vai daí se calhar é a ghost writer, sabe-se lá).
A Oprah, que é assim pró feminista e toda esperta e tal e coisa, já o recebeu duas vezes no programa, e não é que o homem é o sábio? Pérolas, digo-vos, pérolas!
Pérolas como: se um homem não quer fazer sexo com vocês logo na primeira saída, esqueçam, amigas! He's just not that into you! Screw him, honeys!
Pérolas como: se o homem não telefonar, he's just not that into you! Não vale a pena pensar se ele perdeu o número; não vale a pena serem mulher pro-activas e vocês ficarem com o número dele também e, horror dos horrores!, telefonarem vocês! Não! He's just not that into you!
Fiquem sossegaditas nos sofás a ver a Oprah, comprem os livritos do autor, e pronto, talvez um dia a generalização destas situações não vos impeça de encontrar alguém que esteja into you... se o autor assim achar, claro. Ou a Oprah. Porque vocês, da vossa vida, nada sabem.
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