depois de uns dias em secura internética, eis que volto :P (é para rejubilarem)
devia estar a fazer outra coisa, mas paciência.
esta semana li uma coisa sobre a qual fiquei a querer falar-vos. é mais uma das minhas crises verborreicas [epah, "verborreicas", o estágio está-me a fazer bem] que não levam a lado nenhum e que provêm simplesmente da minha militância, mas podem passar à frente. decidi chamar-lhe "isto estava a correr tão bem", porque posso :P
no jornal do metro [que imprevisivelmente se chama 'metro' e até é um jornal catita] desta terça-feira vinha a crónica habitual do josé miguel júdice, pela qual até vinha a criar um gosto depois do artigo que escreveu sobre a expansão da venda de medicamentos de venda livre, que estive mesmo para transcrever para aqui.
bom, isto estava a correr muito bem. esta semana, a páginas tantas de se debruçar sobre a questão terry schiavo, o júdice escreve:
Cada vez mais o normal não é estar de boa saúde mas estar doente. Em Portugal, os dias perdidos no trabalho por doença ultrapassam os dez milhões, e seriam muito mais se uma quantidade interminável de novas maleitas justificassem a "baixa". Os portugueses são dos maiores consumidores europeus de anti-depressivos e pílulas para dormir, acompanhando a nova tendência da medicina para considerar estados de espírito ou maneiras de ser como situações clínicas. A vergonha e a timidez, por exemplo, chamam-se agora "fobias sociais", e podem-se tratar, não com uns copos e um jantar com amigos, mas com pílulas receitadas por médicos e comparticipadas pelo Estado. Desde que o Dr. Freud, o charlatão de Viena, descobriu as doenças da alma, que a indústria farmacêutica descobriu novas maneiras de ganhar dinheiro à custa do feitio de cada um. A paixão infeliz, ou o mal de amor, são já catalogados pelos psiquiatras como "uma doença genuína que necessita de diagnóstico". Morrer de amor está em vias de deixar de ser um exagero poético para ser uma situação clínica. Romeu e Julieta não morreram por amor. A acreditar nos psiquiatras, estando apaixonados, o que eles tinham era uma doença terminal. Não se suicidaram, exerceram o seu direito à eutanásia.
bom. não sei bem por onde começar, mas vou-me tentar organizar para não me repetir.
é claro que o que me pôs furiosa foi a gracinha sobre considerar maneiras de ser ou estados de espírito como situações clínicas. primeiro, o senhor júdice não sabe que já nem numa visão médica das coisas a saúde é apenas a ausência de doença; por outro lado, parece não ser capaz de perceber aquilo que não se pode ver - se não se pode perguntar 'aqui dói?', não deve existir ali nada. até havia um senhor que via as coisas dessa maneira, e para sua comodidade apelidava o funcionamento mental de "caixa negra" - não se podia ver o que se passava lá dentro, por isso não devia de facto passar-se nada, siga. curiosamente, não tenho ideia de ele alguma vez ter deixado de trabalhar com animais. aos meninos que escolhem esse curso de mariquices que é a psicologia é logo ensinado que aqui está-se mal quando se perde liberdade individual e/ou se anda a chatear a cabeça aos outros um bocadinho mais do que a conta, e o estar melhor não é quando se manda embora os sintomas. antes de mais, procura-se as causas, não somente a eliminação dos efeitos. se o "estado de espírito" de uma pessoa não lhe permite almoçar sem pensar que toda a gente está a olhar para ela e a ridicularizá-la ou sair de casa sem ter a certeza de que vai ter um ataque cardíaco e morrer porque ninguém lhe pode acudir, fechando-se em casa e tornando-se cada vez mais dependente e desgastante para quem a apoia, acho que se pode dizer que há maneiras mais felizes de existir e que isto não é uma avaliação razoável do mundo. não será também concerteza qualquer coisa que se veja nas análises de sangue.
mas quem é que decide o que é razoável e o que é que é bom e o que é que é mau? esta é outra questão com que gostam de torturar a cabecinha dos impressionáveis pupilos de tão superficiais estudos. e é aqui que a porca torce o rabo e, para mim, a coisa ganha a piada que tem. diz que há professores - não que eu estivesse lá - que logo na primeira aula do ano fazem os alunos falar um a um, apontando-os com o dedo, pedindo-lhes que expliquem o que é normal e o que é patológico - tipo filme. diz que tais professores têm contra-argumento para todas as definições balbuciadas, num surrealismo em que tanto nos pedem que usemos os nossos critérios como nos dizem para os deixarmos de lado porque isto é outra coisa. o paradoxo é tal que até há alunos - não eu - que acham que o professor se está a contradizer, para depois perceberem que não. no fim, só para fuck with our minds só mais um bocadinho, a solução que nos dão é a do não ter nada como certo, que estupidamente funciona. não é o que acontece, é o que se faz com o que acontece. a definição que nos fornecem do 'estar maluco ou a treinar' é ver a preto e branco ou, como eu gosto de dizer numa metáfora muito azeiteira, querer abrir todas as portas com a mesma chave.
não é o impropério ao doutour freud que me me ofende - se bem que acho uma falta de respeito, mas isso é lá com ele -, por isso cortem-se os argumentos óbvios e o juízo ingénuo de que todo o profissional da desgraça alheia [como ouvi no outro dia o doutor jorge sampaio dizer e não consigo deixar de achar graça :P] faz do senhor o seu santo [para isso, consulte-se o doutor daniel matias e vejam-no dar uma trepa ao homem :P]. o 'feitio de cada um' começa a ser chato quando temos pessoas como a mãe da joana, que para além de dormir com o irmão - que apesar de tudo é esquisito, mas é lá problema dela e dele -, acham bem pôr fim à vida da filha, cortá-la aos bocados e fazer as atrocidades que se sabe. é, de facto, um bocado mau feitio. o problema - ou não - é que pessoas assim ou parecidas só se vão [tentar] tratar se quiserem. estas ou outras quaisquer. isto não é nenhuma evangelização.
por outro lado, há ainda a acrescentar que, no processo de centrifugação do cérebro do aspirante a técnico de saúde mental [não sei como é na especialização em psiquiatria, mas vou ser parcial e dizer que acho que lá não é assim...], há o aviso para o facto de não querermos que ande toda a gente feliz e contente a todo o momento - porque isso também vem nos livros e, mais prosaicamente, à falta de melhor palavra, somos parvos. quer isto dizer que na vida acontecem coisas chatas e mau seria se não lhes reagíssemos em consonância - tipo chorar, ficar triste, ganhar medo, desbaratinar com os outros e outras coisas que não me lembra. ou seja, quando finalmente já achávamos que percebíamos alguma coisa daquilo e sabíamos o que estávamos a fazer, dizem-nos para não fazermos a estupidez de ver [ou querer ver] doenças onde elas não existem. eu, por exemplo, levei na cabeça por causa disso numa aula, há 2 ou 3 semanas. um mal de amor não é um estado patológico, é até uma reacção saudável [ou melhor, segundo um professor muito velho que contava anedotas porcas no auditório, a boa reacção ao abandono amoroso é "aquele cabrão também não me merece"]. se calhar o josé miguel júdice leu nos manuais errados ou não percebeu a situação que estava a ser comentada. é que há gente muito maluca, ele é que não sabe.
a esse propósito, ainda quando torcem a mente das criancinhas alimentando-lhes a ilusão de que ao fim dos 90 minutos vão ter uma definição em powerpoint do que é a normalidade, apelando ao critério estatístico há o exemplo paradoxal: a maioria das pessoas hoje em dia é infeliz; então, a felicidade deve ser considerada patológica, uma vez que compõe a minoria. outro, e o mais catita, é a comparação da euforia de quem está apaixonado com um episódio maníaco [informação completamente inútil: é a única perturbação em que a libido aumenta, ao invés de diminuir]:
Manie
Etat d’excitation intellectuelle et psychomotrice, et d’exaltation de l’humeur, avec euphorie morbide, à évolution habituellement périodique et cyclique, entrant dans le cadre de la psychose maniaco-dépressive. Son début est rapidement progressif, avec de l’insomnie et une hyperactivité: le patient a des projets multiples de voyages, d’achats et devient turbulent, désordonné; ses relations avec autrui étonnent par leur familiarité, avec l’emploi d’expressions vulgaires, et des invites sexuelles particulièrement importunes. Son euphorie, sa joie expansive vont se traduire par des chants, des rires, des mouvements de dans, des gestes obscènes et son manque de réserve provoque un comportement général ne respectant plus le code des convenances sociales. L’excitation intellectuelle entraîne une fuite des idées, une logorrhée intarissable, des plaisanteries, des jeux de mots rapidement lassants pour l’entourage.
do dicopsy
achei que isto explicava melhor do que eu :)
o que eu quer dizer é que lamento imenso em relação ao sr. josé miguel júdice, mas há doenças da alma. não é doença ser tímido, mas acho que é consensual considerar que é mórbido não esperar senão rejeição e humilhação dos outros, assim como o é achar-se o supra-sumo da batata frita, posto na terra para ser amado e adorado. o que é doença é ser rígido ;)
já me perdi um bocado, mas acho que se percebeu o que eu queria dizer.
queria só acrescentar uma coisa em relação aos medicamentos. devem lembrar-se da notícia sobre sermos o maior consumidor de anti-depressivos na europa, mas:
- quando os médicos de família insistem em substituir-se ao psiquiatra na prescrição de medicamentos específicos, muitas vezes erradamente [não costumam ser atendidos por um cardiologista no dentista, pois não?]
- quando há pessoas a tomar Prozac receitado pelo endocrinologista, para emagrecer [lá emagrecer, emagrecem...]
- quando um médico de família se apercebe de que dado paciente, da minha idade, passa a vida a pedir para fazer exames não porque não esteja bem de saúde mas porque tem a mania das doenças e o que decide fazer é torná-lo isento para o aliviar da despesa de tantos procedimentos médicos, reforçando o comportamento do jovem e demitindo-se da responsabilidade de o alertar para a incongruência do seu comportamento
o que é que se pode esperar? :/
há os que precisam, mas e os outros?
a vossa sorte é que agora tenho de ir almoçar.
música: mind da gap - socializar por aí | the beautiful south - dream a little dream
you dancing?
you askin' ?
i'm askin'.
then i'm dancin'.
mind da gap - todos gordos | mind da gap - bazamos ou ficamos? [juro que não estou a fazer de propósito, o iTunes está em shuffle] | delerium feat. nerina pallot - truly | alicia keys - diary
2 comentários:
some stuff is a little over my head... mas falas bem, sim senhor.
(esse jovem n era o bastonário da ordem dos advogados?)
*
a) *rejubila*
b) "acho que é consensual considerar que é mórbido (...) achar-se o supra-sumo da batata frita, posto na terra para ser amado e adorado." -> o que é queres dizer exactamente com isto? mórbido porquê? Então para que é que eu fui posto na Terra? Não percebo...
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