nas últimas semanas vi-me obrigada, por razões profissionais, a fazer autênticos exercícios de arqueologia em lojas de brinquedos. já nem vou falar na dificuldade que é encontrar brinquedos 'normais', coisas simples sem virem agregadas a 50 acessórios, numa sobrecarga sensorial que desconfio torna epiléptica ou psicótica/autista qualquer criancinha que não tenha ido ao Iraque e tornado para contar a história.
não vou também alongar-me sobre o facto de, em todos os 28 (perigosamente perto dos 29) anos da minha existência, nunca ter tido um contacto tão próximo e devotado tanta atenção a Nenucos e imitações mais ou menos conseguidas.
vou só debruçar-me sobre a componente absolutamente bipolar [classificação aqui muito mal aplicada e passível de me levar à proscrição da utilização de uma DSM - coisa que nunca usei - para o resto da vida, pela mui excelsa e já com pendor para-militar Ordem dos Psicólogos], a componente absolutamente bipolar, dizia eu, dos brinquedos que povoam 90% das prateleiras dirigidas a meninas nas grandes superfícies comerciais dedicadas ao mister do juguete. já de si, só há duas alternativas: ou póneizinhos fofinhos em cor-de-rosa a roçar o choque, miniaturinhas amorozinhas de animais/pessoas/coisas entre as duas categorias anteriores ou que não pertencem sequer ao filo alienígena, entidades absolutamente abebezadas, retardadas e aparvalhantes, ou então bonecas hipersexualizadas cujo look básico, sobre-maquilhado, é o de quenga rameira and-happy-about-it. se fossem de carne e osso e adultas, diria que eram mulheres desesperadas por lhes chamarem naco de carne e por lhes confirmarem que são mulheres, tanto é o eye-liner e a sombra de olhos até às sobrancelhas e a meia de rede com buracos onde cabe um punho e o salto stilleto-só-para-o-caso.
posto isto, como é que queremos ter pessoas normais? como é que é suposto as nossas criancinhas não andarem agarradas ao tecto de olhos esbugalhados e caninos de fora? ou estão aterrorizadas ou cheias de raiva e e em ambos os casos dou-lhes razão.
é que já cantava a Maria Rita - não sou freira nem sou puta!
2 comentários:
Já quando eu era miúda, não achava grande piada a brinquedos 'para meninas'.
Sim, tive algumas Barbies (Nenucos felizmente nunca se lembraram de me oferecer) com que brincava, mas passei a maioria do meu tempo a brincar com coisas que já na altura achava muito mais interessantes: LEGOs, Playmobils, bonecos das Tartarugas Ninja, e até alguns GI Joes (daqueles pequenos - não as monstruosidades do tamanho do Action Man). Mas esses eram todos (e continuam a ser), considerados maioritariamente 'brinquedos para meninos'.
Não sou psicóloga, mas parece-me que os brinquedos com que as crianças brincam influenciam muito, não só as suas capacidades intelectuais (LEGOs são excelentes para desenvolver a percepção tridimensional, por exemplo), criativas, e também sociais.
'Bonecas são para as meninas', porque se esperava que ficassem as responsáveis por tratar da casa, e ter bebés, e *inserir outras programações sociais que dá jeito as gajas terem'. Passou-se disso para pior: as tais bonecas 'sou puta e gosto', porque miúda que se preze hoje em dia, vai para a cama a primeira vez aos 13 anos e a partir daí tem 'bué saída'.
Não é libertação sexual, é na minha opinião, precisamente o contrário: passou-se de se programar as miudinhas para serem fantásticas donas de casa, para passarem a ser objectos sexuais. Sim, porque gaja que é gaja nos dias de hoje tem de ter um aspecto 'hiper feminino', usar montes de bijuterias (todas as chocalhar porque estou aqui a falar do exagero de bijuterias e não do uso normal das mesmas), carregar bem na maquilhagem (não vá alguém ainda ter de lavar os olhos, se porventura tiver de olhar para uma cara feminina humana *normal* sem montes de merdas em cima :P), e ser magrérrima ao ponto de ser quase transparente e consequentemente não ter quase curvas (e eu aqui inocentemente a pensar que curvas são uma caracteristica que distingue a mulher do homem).
Reparei agora que este comentário é um testamento, mas já agora, aproveito para esclarecer que da mesma forma que reprovo 'programar' rapariguinhas para determinadas coisas, também reprovo fazerem o mesmo a rapazinhos. Não é uma questão de sexo, mas como estou bem mais dentro do assunto do lado feminino, foi a partir desse ponto de vista que comentei.
Os brinquedos têm de facto, como dizes, várias funções importantes: estimulam a imaginação, a socialização e também o aprender a estar sozinho (há quem brinque sozinho), para além de ser um indicador muito rico dos recursos e do estado emocional de uma criança. E ajudam a aferir e treinar a função simbólica, muito importante para coisas como por exemplo a aprendizagem da leitura.
Foi propositadamente que não me referi aos brinquedos com tipificação de género. Uma vez na faculdade tive de fazer um trabalho teórico-prático sobre e é impressionante quão cedo temos incutidas as ideias sobre o que é que é de menino e o que é que é de menina (nível pré-escolar). Pessoalmente, não vejo isso de maneira dramática. Acho que as pessoas (leia-se homens e mulheres, aqui) não têm de ser iguais, mas acho importante terem as mesmas oportunidades. Também acho redutor, retrógrado e tacanho pensar que uma mulher serve para coser meias em casa e um homem serve para ser estróina e arranjar carros, mas o facto é que a nossa sociedade está um bocado organizada em torno dessa distribuição de funções. Acho que não é mau de todo, desde que não traga limitações à vida das pessoas. Acho muito triste um rapaz não ser capaz de cozinhar uma refeição e gosto muito de ser eu a pregar os pregos em minha casa.
E gosto ainda mais de, tendo um filho a quem sempre dei GI Joes e uma filha a quem ofereci uma máquina de lavar de brincar (como eu tive uma!), saber que criei crianças com espírito crítico, que sabem que o mundo é mais do que uma generalização da sua própria experiência.
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