Os kidadults
Este ano faço 40 anos. Para mim a palavra obrar significa fazer cocó, mais nada. Não tenho um único amigo que considere um obreiro, um esforçado, um empreendedor, acho a minha geração uma caca de geração sem força. Um achismo como qualquer outro, sujeito ao vosso juízo, mas esta gaja hoje tá parva? Estou. Devo estar. E também estou a passar por uma segunda adolescência brava e só vejo malucos e maluquice à minha volta, vamos lá a acordar ou andamos todos aqui aparvalhados da fluoxetina? Indo um bocado mais longe, acho que somos todos uma cambada de fodidinhos da cabeça. Eu sei que isto não é bonito de se dizer, mas deixem lá a cerimónia e o respeito um bocadinho e oiçam. A nós venderam-nos gato por lebre, umas ideias malucas, malucas, malucas. Em 1982 isto ia ser tudo paletes de felicidade e esperança e guito, guito, muito guito a entrar pelas fronteiras e pelas estradas, guito que hoje não há a recompensar trabalho que também não há. O meu pai até comprou um Citroen GSA Pallas que subia a carroçaria quando se ligava. Um luxo, acreditei que quando chegasse a minha altura o meu carro ia voar. O meu carro hoje não voa, mas também não fui eu que o comprei. Herdei-o. A minha tia, da geração anterior à minha e que se fartou de bulir, morreu, em seis meses, com um câncer. Hoje um engenheiro recém formado no Rio ganha três vezes mais que o parvo do Tuga explorado. Isto é uma desgraça um paisinho de merda. Como é uma desgraça vivermos quase todos com mil euros por mês, depois de nos terem enchido os ouvidos com inanidades deste calibre, Mónica Maria, homens e mulheres são iguais, aprende e vive com isto. Onde é que já se viu tamanha palermice? Só na cabeça dos nossos pais. Perguntem a um norueguês, hoje com 40 anos, o tipo de mulher que esta brincadeira produziu. E ele mostrar-lhes-á uma mulher-homem que não sabe ser mulher-mulher, toda tonta e com carta de pesados. Foi-nos vendido um sonho de consumo totalmente irreal criaram em nós expectativas, que agora, chegados aos quarenta, estamos fartos de saber que não podem ser realizadas, esta merda não está a bater certo para quem cresceu a ver os desenhos animados búlgaros, do Vasco Granja, nem para quem aprendeu a votar, de braço no ar, as tropelias dos amigos, no Externato Fernão Mendes Pinto. Somos uns meninos mimados, os filhos do centrão e dos centros comerciais maiores da Europa, das viagens a Espanha no Verão, sem ter que passar pelas apalpadeiras na fronteira do Caia, os meninos que viram aparecer as primeiras televisões a cores, os primeiros vídeos e aquelas iogurteiras que ao fim de um mês perdiam o uso porque faziam os piores iogurtes do mundo. Não, talvez o pior fosse aquele que crescia de uma nhanha de uma planta romena, em tipo fungo. Também comi. E agora gosto de homens com barba de três dias e só me sinto bem quando faço bigodinhos de Hitler, na depilação. Tive sempre bolachas em casa, queijo flamengo, Nesquick, papa Cerelac, Pensal de Chocolate e Nestum Figos e Mel. Tomei óleo de fígado de bacalhau, tinha discos do Sérgio Godinho, do Chico Buarque, dos Bee Gees e do Fernão Capelo Gaivota. Bebia Coca Cola, jogava ténis no CIF e tinha semanada. Os meus pais foram disfuncionais q.b., mas ainda falo com eles e gosto dos dois, usei farda no colégio, meias azuis escuras até ao joelho lolita sexy, andei muito com saias kilt que picavam e de gola alta, igualzinha ao meu irmão. Aprendi a viver no meio, na zona cinzenta, à espera que tudo viesse ter comigo. E vem. A gente esforça-se mas esforça-se pouco. A gente luta, mas luta pouco, a gente quer tudo, porque sempre tivemos tudo, mas não temos os guts. Estamos cansados do sonho da treta europeia, queremos ser fazendeiros no Facebook, usar cuecas boxer do Scoobie Doo, comprar uns All Star amarelos aos 39 anos e que nos deixem em paz, adulthood as lost its appeal. Antigamente as pessoas queriam crescer e sair de casa e casavam com energúmenos e energúmenas só por causa disso. Hoje já ninguém quer ser policia ou bombeiro. Muito menos tem vontade de casar ou sequer acreditar que o amor pode vir com o tempo e em formas desconhecidas e nem sempre imediatamente compensadoras. Quando tinha quinze anos li, em casa da minha melhor amiga, na revista Sputnik, que uma camponesa da parvónia russa se estudasse, poderia transformar-se numa grande astronauta. Faço tudo para voltar a acreditar numa merda destas. Por falar nisso, Teresa, eu perdia à Canasta e ao King só para tu não amuares.
- por Mónica Marques, no Sushi Leblon, o blog da diáspora blasée
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